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“Silvestre Coração” (2020)

Barbante de algodão e espinhos de Bocaiúva (Acrocomia aculeata) sobre folha de Falsa-seringueira (Ficus elastica)

(Frente)

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“Silvestre Coração” (2020)

Barbante de algodão e espinhos de Bocaiúva (Acrocomia aculeata) sobre folha de Falsa-seringueira (Ficus elastica)

(Verso)

  Presente de coração para João Ricardo, inspirado pela visita à mata ciliar do Rio Almada em 2019, parte das atividades práticas do projeto de pesquisa Arte e Natureza: Poéticas e Pedagogias da Mãe Terra. Feita com materiais orgânicos encontrados na comunidade Bom Fim, região rural do município de Laguna Carapã, Mato Grosso do Sul, esta obra está pronta para retornar aos ciclos naturais do corpo terrestre quando for necessário.

Ter um “coração silvestre” cheio de ideias relacionadas à Natureza não é coisa fácil. Entretanto, acredito que o futuro nos ensinará cada vez mais que a vida humana só será viável na Terra quando entendermos que somos mais um dos ciclos criados por ela, e quando aprendermos com as perdas e desequilíbrios causados por nós nos outros ciclos naturais da grande Inteligência ecológica do planeta.

“Sonho nas águas da cobra azul” (2020)

Leomar da Silva Pinto e Lucas Gauchinho Rodrigues

Nanquim, têmpera-cola, folhas de ameixeira amarela (Eriobotrya japonica)

Poema ilustração

Sonho nas águas da cobra azul

 

Sonhei com um trieiro no meio do mato

Andava sozinho nele como sempre andei

Como ando pelos trieiros com minha família

 

Já acordei no sonho caminhando para onde ia

Cortando o verde do mato

Sentindo a umidade em tudo

 

Caminhei para chegar numa clareira

Onde a luz do céu passava quente

Iluminando uma estreita lagoa profunda

 

Na água fresca que acalmava a vista

Era fácil de entrar pelos troncos de uma árvore caída

Que molhou seus galhos adormecida meio cá meio lá

 

Mergulhando, o fundo não se via

E mesmo a luz se perdia em algum momento

Estaria eu também perdido?

 

Nessa transparente riqueza da terra

Era a vida que me flutuava agora

Com a calma do seu tempo 

 

Da profunda água escura vi uma cor subindo

Um azul vivo que pensei ser o céu refletido

Era uma grande cobra deslizando para cima

 

Não era motivo de medo

Era a vida calma e fluida 

Alcançando a superfície da água

 

Nadamos juntos agora

Eu soube que sonhei para nos encontrarmos

Flutuando ali dentro e fora da água

 

Eu soube que ela vinha me mostrar

Coisas que as águas dentro de mim sentem

Que preciso saber entender

 

Essas coisas que vêm nos sonhos

Mas que nunca estão fora da vida

Pois um sonho é a vida em filme

     No projeto de pesquisa Arte e Natureza repensei meu fazer artístico, linguagem visual e pesquisa de materiais a partir do princípio da escuta, encontrei meus sonhos me contando minha própria vida, conversei com as mensagens mostradas e respondi criando, pois a “escuta é uma possibilidade de estar com, de criação compartilhada, de contato feito de tato e contágio, zona de comunicação semântica e não semântica, feita de sentido e de presença. Escutar a Natureza como princípio artístico é escolher criar com ela e não sobre ela” (ARTE E NATUREZA, 2019, p. 5).

     O sonho, para Sidarta Ribeiro em “O Oráculo da Noite: A história e a ciência do sonho” (2019), pode ser considerado um “oráculo probabilístico”. Em evento on-line da Companhia das Letras sobre literatura não-ficcional, “Sonhos para adiar o fim do mundo, com Ailton Krenak e Sidarta Ribeiro”, o autor (2020, 9m49s) apresenta tal conceito como: 

uma função antiquíssima, muito anterior aos humanos, presente nos mamíferos, em que o cérebro reverbera memórias do passado pra gerar possíveis simulações de futuro, pra gerar perspectivas, pra perscrutar o futuro, ainda que de uma maneira probabilística. Então, muitas vezes aquilo que é sonhado jamais acontece, mas aquilo que é sonhado sempre modifica o curso do futuro, porque modifica as emoções das pessoas que sonham.

   O sonho como mais uma dimensão da vida, integrado à realidade como pulsão transformadora, como fonte que instrumentaliza a análise e ação cotidiana, também pode ser visto no método de análise sociológica que Silvia Rivera Cusicanqui pratica como parte de uma “artesania intelectual”, batizada por ela mesma de “Sociología de la imagen”. Segundo a autora (2019), esta é uma forma de redefinir o papel da visualidade em relação a dominação, também servindo como forma de resistência. Para Cusicanqui:

Se trata de descolonizar la conciencia propia, superar el oculocentrismo occidental y convertir la mirada en parte de una experiencia completa, orgánica, que implique los otros sentidos también, como el olfato o el tacto. Es decir, reintegrar la mirada al cuerpo.

     Cusicanqui fundamenta sua abordagem de descolonização do olhar a partir da noção de “integralidad de la experiencia del habitar”, liberando a visualização das ataduras da linguagem, de modo a “reactualizar la memoria de la experiencia como un todo indisoluble, en el que se funden los sentidos corporales y mentales” (2015, p. 22-23).

     O início desta metodologia pode ser situado em 1994, quando na Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), em La Paz, capital da Bolívia, Cusicanqui iniciou o seminário de Sociología de la imagen, no qual realizava dois exercícios com estudantes, o primeiro consistia em visualizar a primeira e mais remota lembrança da infância, e o segundo um sonho de que se recordassem bem. Para comunicar o que visualizaram, terminavam fazendo registros por meio da palavra e da escrita. Analisando este material, Cusicanqui observou que as formas de registro eram a metáfora e a alegoria, por vezes plasmadas de fatos coletivos, de um modo de ver “entretejido de versiones y narrativas individuales que convergen en estilos culturales, en acciones políticas, en atmósferas discursivas y tipos gestuales” (2015, p. 24).

REFERÊNCIAS

Companhia das Letras. Mesa 6: Sonhos para adiar o fim do mundo, com Ailton Krenak e Sidarta Ribeiro. 2020. (1h16m14s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=95tOtpk4Bnw&ab_channel=CompanhiadasLetras>. Acessado em: 20 dez. 2020.

 

CUSICANQUI, Silvia Rivera. Sociología de la imagen: Miradas Ch’ixi desde la historia andina. 1ª ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Tinta Limón. 2015. Disponível em: <https://sentipensaresfem.files.wordpress.com/2016/09/rivera_cusicanqui_sociologia_de_la_imagen2015.pdf>. Acessado em: 20 dez. 2020.

 

CUSICANQUI, Silvia Rivera. “Tenemos que producir pensamiento a partir de lo cotidiano”. El Salto, Feminismo Poscolonial, 17 fev. 2019. Entrevista concedida a Kattalin Barber. Disponível em:

<https://www.elsaltodiario.com/feminismo-poscolonial/silvia-rivera-cusicanqui-producir-pensamiento-cotidiano-pensamiento-indigena?fbclid=IwAR0PBGz6bIIQkGMTgtyPNrDEs8DoRh4f1llRt2jjGMdllVmIpph_KyfmhS0>. Acessado em: 20 dez. 2020.

 

MIOLA, Gabriela Canale. Como Abraçar o Tempo. Issuu inc. 2020. Disponível em: <https://issuu.com/gabrielacanale/docs/como_abracar_o_tempo_ff>. Acesso em: 20 dez. 2020.


RODRIGUES, Lucas Gauchinho. Sonho nas águas da cobra azul. 2020. (1m49s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0aEC63ongXU&t=8s&ab_channel=LucasGauchinhoRodrigues>. Acessado em: 20 dez. 2020.

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“Triêros de Nomes” (2020)

Folha de Falsa-seringueira (Ficus elastica)

Intervenção digital em fotografia

     No início do ano de 2020, antes de se confirmar o primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus (COVID-19) no Brasil, estava me encontrando com diversos familiares e tendo mais das várias conversas sobre o passado, o presente e o futuro. Sobre as gerações e gerações que nos antecederam, os lugares que essas pessoas percorreram, as histórias que gestaram as nossas próprias histórias, sobre histórias de pessoas que já se findaram fisicamente, mas que permanecem vivas em nossas lembranças. Todas essas memórias orais cotidianas geolocalizaram os nomes das pessoas que carregaram o sangue que hoje corre misturado pelo meu corpo. Saúdo todas estas pessoas que percorreram seus próprios rios da vida em seus próprios tempos, agradeço a vida que elas possibilitaram chegar a mim percorrendo meu caminho, me possibilitando construir quem eu sou em meu próprio tempo.

Triêros em Topografias.JPG

“Triêros em Topografias” (2019)

Folha de ameixeira amarela (Eriobotrya japonica) e pigmentos naturais

    Em 2019, parte das atividades práticas do projeto de pesquisa Arte e Natureza: Poéticas e Pedagogias da Mãe Terra eram proposições de ações em lugares de Foz do Iguaçu - PR, em espaços que participantes do projeto percebiam-se atraídos por evocações da Natureza. Esta obra surge no momento em que João Ricardo nos conduziu à mata ciliar do Rio Almada ao lado do Jardim Universitário da UNILA. Percorrendo as trilhas conduzidas por João debaixo do teto verde da mata, lembrei das vezes que andei assim com meu pai. Fui transportado do Paraná para o Mato Grosso do Sul, no Matinho atrás da minha casa no Bom Fim. Formou-se aí uma sobreposição de topografias ocasionada pelos afetos, interligando estas áreas verdes.

     A linha mais baixa representa o desenho da topografia da mata atrás da minha casa no Bom Fim, é feita com a terra vermelha encontrada na Bacia Hidrográfica do Paraná, uma vez que, do ponto de vista geológico, caracteriza-se por derramamentos vulcânicos do tipo basáltico, rocha escura de caráter férrico que, por ser susceptível à ação natural do intemperismo sofre oxidação, influenciando na composição do latossolo vermelho.

A linha do meio segue o desenho da topografia da mata ciliar do Rio Almada, é feita também com um derivado da oxidação do composto férrico de rocha basáltica, mas que, por não ser misturado com outros tipos de sedimentos como acontece na formação de latossolos, é puro. Quando seco sua cor é amarelada e quando molhado o pigmento em pó torna-se castanho.

    A linha sobre as outras linhas é feita de pó de casca de ovo, rica em carbonato de cálcio, um mineral originado dentro do corpo de um ser orgânico, mineral orgânico representando os seres que se deslocam através do espaço.

REFERÊNCIAS

FIGUEIREDO, Júnior et al. Substituição de minerais inorgânicos por orgânicos na alimentação de poedeiras semipesadas. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.65, n.2, p.513-518, 2013. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/abmvz/v65n2/30.pdf>. Acessado em: 20 dez. 2020.

 

Instituto Agronômico (IAC). Latossolos. Solos do Estado de São Paulo, Centro de Solos e Recursos Ambientais. 2015. Disponível em: <http://www.iac.sp.gov.br/solossp/pdf/Latossolos.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2020.

 

Instituto Água e Terra. Encarte 2 - Análise da Região da Unidade de Conservação (b). Plano de Manejo - Parque Estadual da Cabeça de Cachorro. Curitiba - Paraná. 2006. Disponível em:

<http://www.iat.pr.gov.br/Pagina/Plano-de-Manejo-Parque-Estadual-da-Cabeca-do-Cachorro>. Acesso em: 20 dez. 2020.

 

JÚNIOR, Jairo Calderari. LIMA, Marcelo Ricardo. Slides Intemperismo. Gênese, Morfologia e Classificação de Solos. Departamento de Solos e Engenharia Agrícola, Setor de Ciências Agrárias, UFPR. 2018. Disponível em:

<http://www.mrlima.agrarias.ufpr.br/GMCS/arquivos/slides_intemperismo.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2020.

 

LASTORIA, Giancarlo et. al. Hidrogeologia da Formação Serra Geral no Estado de Mato Grosso do Sul. Águas Subterrâneas, v.20, n.1, p.139-150, 2006. Disponível em: <https://aguassubterraneas.abas.org/asubterraneas/article/viewFile/9727/6709>. Acesso em: 20 dez. 2020.


Pomar e Horta em Casa. Como Fazer Adubo em pó com Cascas de ovos. 2016. (5m56s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=0PZMAV8Jynw&ab_channel=PomareHortaemCasa>. Acessado em: 20 dez. 2020.

“Rio de água

Rio de energia” (2019)

Folha de Palmeira-areca (Dypsis lutescens),

espinho de Bocaiúva (Acrocomia aculeata) e pigmentos naturais

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RIO DE ÁGUA RIO DE ENERGIA (1).JPG

RIO DE ÁGUA

   RIO DE ENERGIA

      Desce o céu

         Desce a chuva

            Desce a barragem

               Desce a água

                  Desce a mágoa

                     Desce o rio

      A história do Rio Paraná, do guarani “semelhante ao mar”, foi cruzada pela história da Marcha para o Oeste iniciada em 1940. Demandando mais infraestrutura de transporte e energia na década de 70, a industrialização no Brasil levou à construção da Usina Hidrelétrica Itaipu, levantada à medida em que submergia as memórias de lutas e de comunidades, selecionadas ou descartadas pela história oficial. Segundo Bianchin e Marcelino (2019), em um “mecanismo que representa o impasse entre memória e esquecimento e que exprime, a reconstrução seletiva do passado como estratégia política. As memórias sociais coletivas da região alagada encontram-se submersas”.

REFERÊNCIAS

BIANCHIN, Aracelli. MARCELINO, Bruno Cézar Alves. MEMÓRIAS SUBMERSAS: análise sobre as memórias coletivas na formação do reservatório de Itaipu. RELACult - Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade. V. 05, ed. especial, mai., 2019, artigo nº 1620 | claec.org/relacult | e-ISSN: 2525-7870. Disponível em: <file:///C:/Users/User/Pictures/MEMORIAS_SUBMERSAS_analise_sobre_as_memorias_colet.pdf>. Acessado em: 20 dez. 2020.

 

FERREIRA, João Carlos Vicente. A origem do nome Paraná. In.: Municípios paranaenses: origens e significados de seus nomes. FERREIRA, João Carlos Vicente. Governo do Paraná, Secretaria de Estado da Cultura. CDD (21a ed.). Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 2006. Disponível em:

<http://www.itcg.pr.gov.br/arquivos/File/Produtos_DGEO/Divisas_Municipais/Origens_Significados_nomes_municipios_pr.pdf>. Acessado em: 20 dez. 2020.

 

LESSA, Giane. Desafios da criação do curso de Letras, Artes e Mediação Cultural na Universidade Federal da Integração Latino-americana. In A. M. Costa e Silva, I. Macedo & S. Cunha (Eds.), Livro de atas do II Congresso Internacional de Mediação Social: a Europa como espaço de diálogo intercultural e de mediação (pp. 46-68). Braga: CECS, 2019.

Disponível em: <https://l.messenger.com/l.php?u=http%3A%2F%2Flasics.uminho.pt%2Fojs%2Findex.php%2Fcecs_ebooks%2Farticle%2Fview%2F3017&h=AT0JsZCZKHQls7JAofe9E8vTkyudA9GY_C3TmZqggDSLTP2r36X1fEVOyJZYCfeeceHI3Wf8VjAzabriJ-aUFI-ID2Y_9t-Bc4C0zSj03KwvGQh7bKz-9u4_siF0KiO9aD4Iqw>. Acesso em: 20 dez. 2020.

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